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Sandra Serra

22/05/2024

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Na literatura infanto-juvenil, escritor e ilustrador caminham lado a lado e, juntos, dão vida a um novo livro. As palavras dão origem às ilustrações e as ilustrações fazem vibrar as palavras!

É com um imenso prazer e carinho que vos apresento a Sandra Serra, a ilustradora do «Gosto de Ti porque Sim!». Agradeço-lhe imenso o testemunho e a partilha da sua experiência.

Quem é a Sandra Serra?

A Sandra é natural de Luanda (Angola). Viveu em São Paulo (Brasil) entre os 7 e os 18 anos. Concluíu o Curso de Design Gráfico, na escola Ar.Co, em Lisboa, iniciando o seu percurso profissional na área da publicidade e do design gráfico.

Dedica-se exclusivamente à Ilustração Infantil desde 2004.

A maior parte do seu trabalho está publicada em Portugal, mas as suas ilustrações andam também a encantar os leitores de vários países espalhados pelo mundo: França, Espanha, Itália, Turquia, Angola, Moçambique, Brasil e EUA.

Sandra… como é o seu coração? O que a faz vibrar?

Vibro com todas as conquistas dos meus miúdos… com o meu marido, que é também o meu melhor amigo. Com os meus bichos. São os meus parceiros e guardiões… estão sempre comigo! Com as minhas plantas. Adoro ver a erva crescer!

Vibro quando atravesso montanhas, bosques, aldeias perdidas e todos os rios que correm dentro da minha cabeça. Adoro pôr uma mochila às costas e andar, andar, andar, sem pensar!

Vibro com o meu trabalho, claro. Ocupa 80% da minha vida e, mesmo assim, não me canso dele e não deixo de vibrar com cada projeto que começo.

Vibro com muitas coisas… com pequenas coisas… viagens, música, cinema e pipocas, praia, chocolate, rir até ficar sem ar!…

Qual é a sensação de dar vida a um novo livro?

É sempre uma alegria e um orgulho ser escolhida por um autor ou uma autora para ilustrar o seu texto. Geralmente, quem me contacta diretamente quer que eu ilustre um projeto que lhe é muito querido, ao qual atribui grande importância, quer na sua vida pessoal, quer na sua vida de autor.

O começo é sempre uma mistura de entusiasmo e… de muita ansiedade, pela responsabilidade que representa ilustrar um livro com uma carga emocional tão grande. O meu intuíto é sempre corresponder à expectativa dos autores e, por isso, quando se tratam de projectos tão pessoais, o peso da responsabilidade é ainda maior.

Além disso, qualquer artista deseja que o seu trabalho seja bem recebido, tanto pelos autores, como pelo público.

Por isso… É muito gratificante começar a ilustrar um livro, mas o peso da responsabilidade e do julgamento causa, sem dúvida, uma grande ansiedade.

E como foi o primeiro contacto com o «Gosto de Ti porque Sim!»?

Quando li o texto escrito pela Clara, percebi, de imediato, que o «Gosto de Ti porque Sim!» era um projeto «fora da caixa». Não era propriamente uma história com um princípio, meio e fim. Tinha um formato diferente. Soube logo que ia ser um desafio e isso foi muito motivador.

Além disso… apaixonei-me logo pelo Lucas!

Eu entrego-me sempre a 100% a todos os projetos que vou ilustrar, independentemente de me identificar – ou não – com o tema. Mas, há textos que me tocam mais do que outros, claro. Há temas que me entusiasmam mais. Trabalhar em livros que têm uma mensagem importante é muito motivador, é uma mais valia para mim.

Mas… sou muito exigente comigo mesma e, por isso, mesmo quando não me identifico de imediato com uma história – que aborda, por exemplo, um tema que já desbravei ou que já ilustrei – acabo sempre por me envolver com a intenção do autor, com as personagens ou com os ambientes e faço questão de me entregar da mesma forma.

Como foi o processo de criação das ilustrações do «Gosto de Ti porque Sim!»?

Já sou ilustradora há muitos anos. Os passos que dei para ilustrar o «Gosto de Ti porque Sim!» foram os mesmos que dou em todos os meus trabalhos.

Em primeiro lugar, leio, releio e volto a ler – uma, duas, três vezes – o texto que me é enviado. Enquanto leio, começam a borbulhar as ideias… a surgir imagens na minha cabeça!

Falo sempre com o autor ou a autora para perceber quais são as suas expectativas. Escolhemos o formato e, quando o protagonista da história é real – alguém que realmente existe! – sugiro o envio de algumas fotografias.

A Clara escolheu um formato que não é muito comum. Um formato grande – ótimo para ilustrar! – e isso foi muito bom. Para a Clara era muito importante que o «meu Lucas» fosse parecido com o «seu Lucas» e, por isso, passei muito tempo a fazer o estudo da personagem. Quis captar os traços do Lucas de forma a que o protagonista do livro tivesse algumas características semelhantes.

Geralmente, nos livros infantis, a ilustração acompanha o texto. Quando trabalho um conto, distribuo o texto pelo número de páginas do livro e antecipo os momentos – os mais fortes da história – que vou ilustrar.

No caso do «Gosto de Ti porque Sim!» a tarefa da paginação foi mais difícil, porque, no texto, não havia propriamente momentos mais importantes do que outros. E, por isso, conseguir dar ao texto uma estrutura e uma cadência harmoniosas foi um desafio. Até pela parte técnica que tinha pelo meio. Tinha de manter a coerência com o resto do livro!

Os primeiros esboços das ilustrações são sempre muito toscos. Quando me pedem para enviar esboços, sei que vai dar asneira, porque estão muito longe das imagens que tenho em mente. Às vezes, só eu é que os entendo! Só eu é que sei como é que as ilustrações, na verdade, vão ficar…

Para umas tantas ilustrações do livro da Clara, tive de fazer alguma pesquisa, pois embora soubesse o que é um cromossoma, desenhá-lo não era assim tão evidente e não queria cometer nenhuma imprecisão.

Terminados os esboços, afino o traço e depois pinto as ilustrações no computador. Em Portugal havia – e ainda continua a haver – um grande preconceito em relação à ilustração digital. Eu faço-a desde sempre! Desenho à mão e, depois, pinto no computador. E gosto muito de trabalhar desta forma. Pintar no computador é, para mim, muito libertador, pois posso fazer alterações sempre que quero.

E quando o livro ficou pronto?

É sempre uma alegria receber os livros. É o fecho do processo. Ver o livro, folheá-lo, cheirá-lo… é muito bom!

O «Gosto de Ti porque Sim!» ficou giríssimo. E vinha cheio de mimos! A impressão ficou espetacular. Fico sempre triste quando a impressão é má, o papel não tem qualidade ou quando os ajustes de cores não foram os melhores… porque as ilustrações morrem por causa disso. E neste caso, ficou espetacular! Fiquei, por isso, muito feliz com o resultado.

Aliás… eu só dou por concluído um trabalho quando eu e os autores nos sentimos felizes!

Ficou com mais cabelos brancos depois de ter ilustrado o «Gosto de Ti porque Sim!»?

Eu trabalho com várias editoras, mas também com muitos autores. As editoras apostam cada vez menos nos autores nacionais e ainda menos nos novos autores… Para muitos é um drama entrar nas editoras e, por isso, decidem, muitas vezes, arregaçar as mangas. E eu acho fantástico! Dou muito valor a quem não fica à espera que as conquistas caiam do céu, a quem faz acontecer!

Cabelos brancos… Chata, a Clara? Não! Ansiosa? Sim!

Mas, essa ansiedade é naturalEu percebo. É normal que um autor que não me conhece e não está à vontade com o meu processo de trabalho me ponha muito mais questões e esteja muito mais ansioso, principalmente quando o projeto é muito importante, quando tem uma carga emocional tão forte e quando é financiado, na totalidade, por quem escreveu o manuscrito.

Na verdade, na fase incial, agradeço todos os inputs; depois, é contraproducente, porque já tenho uma imagem muito nítida de todas as ilustrações.

Como é ser ilustradora em Portugal?

É impossível! Não, não é… Eu sou a prova viva de que não é impossível, mas a maior parte dos ilustradores em Portugal não são só ilustradores. Têm um trabalho paralelo que lhes permite ter um ordenado fixo. É muito difícil ter um volume de trabalho suficiente e contínuo ao longo dos meses que permita uma fonte de rendimento regular.

A mim, felizmente, nunca me faltou trabalho. Apesar de ter alguns períodos do ano mais mortos, sempre trabalhei exclusivamente como ilustradora.

Portugal é um país pequeno. Os editores não arriscam em tiragens muito grandes e, por isso, não se podem espraiar muito nas comissões. Resultado? Os ilustradores ganham um valor irrisório.

Quando trabalho diretamente com os autores, tenho a liberdade de impor as minhas condições e pratico preços que considero viáveis e mais justos.

Trabalho muito mais horas do que quem trabalha por conta de outrém, mas, na verdade, nem dou pelo tempo a passar. O meu processo de criação é demorado, mas as pessoas gostam do meu trabalho.

Não escolheria outra vida!